Brasileiro leva pajelança e manifesto pró-indígenas a Berlim

O documentário “Ex-Pajé”, um dos sete longas brasileiros em exibição no Festival de Berlim, estreou na capital alemã na noite de sábado (17) com sala lotada, presença de indígenas e leitura de manifesto.

O longa do diretor paulista Luiz Bolognesi (“Uma História de Amor e Fúria”), que participa da seção Panorama da mostra, acompanha Perpera, um indígena da etnia Paiter Suruí que foi levado a abandonar suas práticas xamânicas ao se converter como fiel evangélico.

Embora frequente cultos cristãos aos domingos, o ex-xamã continua ligado às suas tradições e é convocado a conclamar os espíritos quando uma mulher nativa é picada por uma cobra.

Ao componente religioso, Bolognesi soma outras forças do entorno, como a ação de madeireiros e o desmatamento agropecuário, num grande ensaio visual sobre o etnocídio de comunidades amazônicas.

A sessão do filme, uma produção da Gullane, teve presença de dois dos indígenas retratados no documentário e a leitura de um manifesto assinado por pajés de várias etnias.

Diz o documento:

“Em nome de um deus, homens missionários agrediram nos últimos séculos muitas outras formas de vida. Se nos anos 1970 a própria Igreja admitiu sua violência catequista, esse processo não arrefeceu. Assistimos hoje ao crescimento de novas cruzadas de intolerância, sobretudo de missões protestantes. Se aliam com os inimigos dos povos indígenas para deles extraírem suas almas. O etnocídio que visa esvaziar todos os corpos de suas espiritualidades. O genocídio matou os povos em seus corpos físicos e o etnocídio em seu espírito, sua essência, sua forma de viver, que é a sua cultura.”

DECEPÇÃO FRANCESA

Na competição pelo Urso de Ouro, dois títulos franceses ficaram bem aquém do esperado.

“Eva”, thriller psicológico envolvendo uma prostituta manipuladora (Isabelle Huppert) e um impostor (Gaspard Ulliel) naufragou como o título mais criticado.

Já “La Prière”, de Cédric Kahn, história sobre um grupo de ex-drogados acolhidos num centro cristão ao pé dos Alpes, gerou confusão por sua abordagem algo positiva do poder da prece vindo de um país com tradição tão secular como a França. “Me fascina a ideia de que tanto as drogas quanto a religião podem levar ao êxtase”, disse o diretor.

Já o russo “Dovlatov” é o que, por enquanto, tem colhido mais elogios.

O filme recua aos anos 1970 para falar de censura às artes e parece trazer os ecos autoritários do país dos dias de hoje. O diretor Aleksey German ficcionaliza seis dias na vida do escritor Sergei Dovlatov, morto em 1990.

Como o autor não quer escrever loas ao homem soviético (diz que não há “seriedade ou sinceridade nas obras oficiais”), torna-se um pária e não consegue publicar seus próprios escritos.

O jeito é continuar como repórter em um jornal operário e escrever, com entusiasmo e sem ironias, sobre inaugurações de fábricas em que operários se fantasiam de escritores russos e comemoram os feitos soviéticos.

Na foto no alto da página, cena do documentário “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi.

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O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do festival