Escolha de ‘Bingo’ mostra Brasil mais antenado à nova cara do Oscar

GUILHERME GENESTRETI

A escolha do filme “Bingo” para representar o Brasil no Oscar mostra que o país finalmente compreendeu a nova configuração da Academia. Não significa, claro, que o longa de Daniel Rezende certamente estará entre os cinco indicados à premiação –a hipótese é bem difícil, aliás.

Mas mostra que ao menos não se incorre mais no equívoco, cometido no ano passado, de achar que histórias de superação e de tom conciliatório vão necessariamente comover os tais “velhinhos da Academia”, essas entidades abstratas invocadas pelo júri de 2016, que escolheu “Pequeno Segredo” para representar o Brasil.

Além de despertar suspeitas, no meio cinematográfico, de boicote político ao engajado “Aquarius”, como antecipado pela Folha, a eleição do longa de David Schürmann se provou anacrônica à nova configuração do Oscar.

Sob a presidência da relações-públicas negra Cheryl Boone Isaacs, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas passou por um choque de representatividade. O número de mulheres integrantes da entidade aumentou em 359% desde 2015, e o de minorias raciais subiu 331% no mesmo período, segundo dados da organização.

No ano passado, 683 pessoas foram convidadas a fazer parte do grupo, 41% delas não brancas. Os diretores Anna Muylaert e Alê Abreu, e o produtor Rodrigo Teixeira estão entre os brasileiros que foram chamados a fazer parte.

A nova configuração também deu uma arejada no tipo de filme que a Academia premia, o que foi refletir, na última edição, em um número recorde de profissionais negros premiados , incluindo os atores Mahershala Ali e Viola Davis, e no prêmio de melhor filme indo para “Moonlight” –drama de baixo orçamento sobre um personagem gay e protagonizado apenas por atores negros.

Com esse novo corpus, formado por gente atenta não apenas à representatividade mas às urgências do momento, não dava mesmo para que o Brasil reincidisse no erro de escolher uma obra edificante.

Provou-se positivo, já de início, ter deslocado a competência de escolher o filme do Ministério da Cultura para a Academia Brasileira de Cinema. Nas mãos de um comitê formado por profissionais da área, e não por nomes escolhidos pelo governo, menor o risco de dirigismo político.

*AS OPÇÕES BRASILEIRAS*

Entre as 23 produções brasileiras habilitadas, “João, o Maestro” e “Malasartes”, por exemplo, são obras que poderiam repetir o equívoco do ano passado–a primeira, uma tradicional história de superação, a segunda, pueril e escapista demais para os tempos de hoje.

Os históricos “Joaquim”, de Marcelo Gomes, e “Vazante”, de Daniela Thomas, ecoam questões atuais do país, mas o fato de terem deixado o Festival de Berlim sem grandes loas talvez os tenha enfraquecido.

“Corpo Elétrico”, de Marcelo Caetano, talvez soasse ousado demais. E a candidatura de “Polícia Federal” e “Plano Real”, representantes de um polo específico do Fla-Flu político do Brasil de hoje, fosse só delírio de aventureiros.

“Como Nossos Pais”, de Laís Bodanzky, e “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, seriam até mais acertadas se o júri da Academia Brasileira de Cinema buscasse as urgências do momento; o primeiro é contemporâneo e ecoa questões de qualquer grande cidade mundial; o segundo pulsa com as tensões sociais de 2017.

A “Bingo” falta essa vibração social. E sua história, que guarda boa parte do atrativo no folclore do Bozo movido a cocaína, talvez soe local demais. Mas pode ter chances se apostar no que revela sobre os bastidores da indústria do entretenimento –essa sim uma obsessão atemporal da Academia.