Sem Legenda https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br notícias sobre cinema Thu, 02 May 2019 13:16:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Longa feminino arranca risadas com olhar estrangeiro sobre o Brasil https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/2016/09/24/longa-feminino-arranca-risadas-com-olhar-estrangeiro-sobre-o-brasil/ https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/2016/09/24/longa-feminino-arranca-risadas-com-olhar-estrangeiro-sobre-o-brasil/#respond Sat, 24 Sep 2016 18:47:33 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/?p=959 A proposta não era lá ser um filme engraçado. Em passagens por festivais estrangeiros, como o de Roterdã, “A Cidade Onde Envelheço” não havia adquirido a veia cômica que obteve quando estreou na noite de sexta (23), na competição do Festival de Brasília.

As risadas foram arrancadas involuntariamente do público brasileiro, em particular da observação das duas protagonistas do filme, jovens amigas portuguesas, sobre as peculiaridades do Brasil: do hábito petulante de se pedir cigarros na rua até a disposição improvisada dos azulejos nos banheiros.

Elizabete Francisca e Francisca Manuel fazem o papel das duas amigas lusitanas, Teresa e Francisca: a primeira parte para Belo Horizonte no encalço da amiga com quem perdeu contato há muitos anos que já vive na capital mineira há algum tempo. O filme da diretora Marília Rocha (do documentário “Aboio”) é uma coprodução com Portugal.

Cena de "A Cidade Onde Envelheço"
Cena de “A Cidade Onde Envelheço”

“Foi do encontro de Francis com Marília que surgiu a base para a construção do filme”, conta a atriz Elizabete. Sua parceira de cena chegou a viver por cinco meses em Belo Horizonte para se ambientar. “O filme é muito baseado na improvisação.”

As atrizes não memorizaram as suas falas para que as cenas fluíssem com mais naturalidade. Para além da questão do olhar estrangeiro, o filme é uma obra lacunar, cheia de silêncios, sobre a relação entre duas mulheres que há muito não se veem e que parecem guardar pouco em comum agora.

Numa edição tomada pelo engajamento, “A Cidade Onde Envelheço” é dos poucos filmes que passam ao largo dos humores políticos. Ainda assim, coros de “Fora, Temer” tem sido puxados pelas equipes de todos os longas e curtas a que a reportagem acompanhou.

UNIVERSOS PARALELOS

Um de seus concorrentes ao Candango, “O Último Trago”, que também foi exibido na sexta, incorre na seara política, mas em chave surrealista.

O longa é mais uma pareceria do trio Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti –todos integrantes do coletivo cearense Alumbramento, que faz cinema de arte à base de orçamentos escassos. São do grupo filmes como “Estrada para Ythaca” e “Com os Punhos Cerrados”.

“O Último Trago” não situa a trama num universo em que tudo é simbólico, mítico. Num bar situado em algum rincão do país, perambulam homens de sabe-se-lá que época, sentam-se à mesa para invocar gente já morta.

Cena de "O Último Trago"
Cena de “O Último Trago”

Numa praia xis, de ambiente que aparenta pós-apocalíptico, uma mulher rasteja, encontra um prisioneiro –saberemos mais tarde que faz parte de um quarteto de mulheres anarquistas que assassinaram o papa no Brasil.

O roteiro alusivo, metafórico serve de estofo à plasticidade das imagens, captadas em fotografia grandiosa, que faz uso das sombras, da luz, que valoriza o ambiente. Nisso, ecoa o curta que o precedeu: “Solon”, da mineira Clarissa Campolina, que acompanha a movimentação de uma estranha criatura que rasteja por um universo devastado, cheio de fogo e poeira.

O jornalista viajou a convite do Festival de Brasília
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Festival de Brasília exibe filme contundente sobre massacre indígena https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/2016/09/23/festival-de-brasilia-exibe-filme-contundente-sobre-massacre-indigena/ https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/2016/09/23/festival-de-brasilia-exibe-filme-contundente-sobre-massacre-indigena/#respond Fri, 23 Sep 2016 15:19:02 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/?p=953 A 49ª edição do Festival de Brasília ganhou sua sessão-catarse na noite desta quinta (22), com a exibição de um documentário de 160 minutos sobre o massacre dos povos indígenas guarani-kaiowá na fronteira entre Brasil e Paraguai.

“Martírio”, do francês radicado em Pernambuco Vincent Carelli (“Corumbiara”), foi aplaudido por mais de cinco minutos ao fim da sessão. Ele é quem conduz e narra a história dos embates de mais de um século entre índios e fazendeiros da região de Dourados (MS).

“O desafio era sair do gueto do filme etnográfico para expandir a consciência nacional”, diz o diretor e indigenista, criador do projeto Vídeo nas Aldeias, de ensino de técnicas audiovisuais a nativos. “Ele foi pensado como ferramenta de denúncia e reflexão.”

Cena do filme "Martírio", de Vincent Carelli (Fotos: Divulgação)
Cena do filme “Martírio”, de Vincent Carelli (Fotos: Divulgação)

A partir de imagens de cinejornais, o documentário recua na história para contar a ocupação daquelas terras pelos nativos, sua cooptação para o cultivo da erva-mate, as tentativas do governo de “civilizá-los” e a militância pela demarcação. Mostra também o cotidiano dos indígenas, muitos vivendo em barracas à beira da estrada e próximos a onde enterram parentes mortos em conflito com os brancos.

É um documentário que sobressai dentro do atual panorama de filmes que defendem um viés social: não fica restrito às lamúrias de um ponto de vista ao qual é fácil o público politizado dos festivais se afeiçoar.

Carelli esmiúça as estruturas políticas e econômicas daquele cenário: mostra relações entre fazendeiros e empresas de segurança privada, que abastecem pistoleiros, se detém nas discussões parlamentares.

Quando um político expõe o vídeo de um capataz ser aparentemente torturado pelos indígenas, o diretor retorna ao local dos fatos, indaga os índios, reconstitui o evento. No trecho mais impressionante, dá a câmera para que os próprios indígenas registrem a ação de pistoleiros.

A exibição do filme, que compete pelo prêmio Candango, inflamou o público de uma mostra conhecida pela sua politização: houve vaias e berros nas cenas que mostravam discursos de deputados ruralistas –alguns defendendo que os índios eram bancados por governos estrangeiros, outros ironizando os antropólogos.

“Martírio” se soma a outros quatro longas e curtas, documentais e ficcionais, que tratam da questão indígena, caso de “Antes o Tempo Não Acabava”, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, sobre o embate entre um jovem e sua tribo.

JEAN-CLAUDE BERNARDET

Fora da competição, um dos destaques da quinta (22) foi a exibição do docudrama “A Destruição de Bernardet”, de Claudia Priscilla e Pedro Marques. O filme fica na cola do crítico,  professor, escritor e ator Jean-Claude Bernardet, um dos maiores teóricos do cinema no Brasil.

A partir de conversas com parceiros e gravações em fitas cassete, o filme aciona as lembranças de Bernardet, cuja trajetória se mistura à do próprio cinema nacional das últimas seis décadas. Também o põe para atuar, registra seu cotidiano, suas interações.

Nascido na Bélgica e naturalizado brasileiro, Bernardet divaga sobre ser um “bastardo” na acepção de Sartre: um sujeito que não faz parte inteiramente de nenhuma cultura, e trata da sua colaboração com uma nova geração de cineastas, que o têm usado como ator em seus filmes: Cristiano Burlan e Kiko Goiffman.

“É para conseguir uma longevidade criativa”, diz Bernardet, com todos os seus erres pronunciados.

O jornalista viajou a convite do Festival de Brasília
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Filmes sobre violência rural, estupro e aborto esquentam Festival de Brasília https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/2016/09/22/festival-de-brasilia-exibe-filmes-sobre-violencia-rural-assedio-e-aborto/ https://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/2016/09/22/festival-de-brasilia-exibe-filmes-sobre-violencia-rural-assedio-e-aborto/#respond Thu, 22 Sep 2016 15:40:35 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://semlegenda.blogfolha.uol.com.br/?p=940 “Rifle”, longa que abriu a competição do Festival de Brasília, na noite de quarta (21), bagunça os limites entre a ficção e o documentário para contar uma história de conflitos fundiários em estâncias gaúchas.

Dione (Dione Ávila) arma-se contra ameaças que parecem perturbar a estância em que trabalha, num rincão remoto dos pampas: forasteiros, um fazendeiro que deseja ampliar suas terras e saqueadores de carne que matam seus animais à noite.

“Já tínhamos o roteiro. Mas quando fizemos a pesquisa de elenco entre o pessoal da região, reescrevemos alguns diálogos e situações”, diz o diretor Davi Pretto, que repete em “Rifle” o mesmo recurso empregado em seu longa de estreia, “Castanha” (2014).

A atmosfera de “Rifle” vai ficando mais tensa à medida que Dione vai entrando numa espiral paranoica. O filme também não deixa de embutir um olhar social sobre a vida dos estanceiros, atados à terra, morando em seus casebres simples.

O diretor conta que o longa foi filmado nas casas dos atores, todos eles egressos daquele universo.

Ao anunciarem o filme no palco, diretor e equipe trajavam camisetas com inscrições: “cinema contra o golpe”, movimento de cineastas que têm ganhado força nesta edição do festival e que tem estampado o seu logo nos créditos iniciais de vários dos filmes em exibição.

“É algo que está coando em todo o Brasil”, diz Pretto. “Todo mundo está angustiado, e a pior coisa é essa perseguição aos artistas.”

Na quarta, todos os três realizadores que apresentaram seus filmes na competição –além de Pretto, os curta-metragistas Marcus Curvello (“Ótimo Amarelo”) e Marcus Vinicius Vasconcelos (“Quando os Dias Eram Eternos”)—puxaram coros de “Fora, Temer”.

Cena do filme "Rifle", de Davi Pretto
Cena do filme “Rifle”, de Davi Pretto

BÍBLIA, ASSÉDIO, ABORTO

Além de “Rifle”, que compete pelo Candango, o Festival de Brasília também contou com a exibição, em exibições paralelas na tarde de quarta-feira, de documentários que dialogam entre si.

“Precisamos Falar do Assédio”, da paulista Paula Sacchetta, é o mais contundente: reúne depoimentos de mulheres que foram vítimas de algum tipo de abuso.

A premissa é o que distingue o filme: a equipe da produção estacionou uma van no centro de São Paulo e do Rio e convidou todas que passavam a entrar no carro e dar o seu depoimento sobre os casos de violência que sofreram.

Dentro da van, sem a interferência de qualquer entrevistador ou da diretora, as mulheres estão sozinhas, tendo a companhia apenas da câmera ligada. Algumas preferem ocultar o rosto com uma máscara; outras mostram a cara.

O filme se constrói a partir da montagem: uma perturbadora compilação de dezenas de casos de estupro, assédio sexual e violência. Em comum entre muitos deles, o tabu do silêncio, o trauma, a impotência e o machismo à volta.

Causa ruído apenas o desejo da diretora de algumas vezes se colocar no filme, conversando com as depoentes antes ou depois de seus depoimentos, como se quisesse mostrar uma solidariedade com as entrevistadas, que é desnecessária; o filme já causa empatia por si só.

“Sexo, Pregações e Política”, de Aude Chevalier-Beaumel e Michael Gimenez, aborda a presença de lideranças neopentecostais no Congresso. Os diretores se debruçam sobre como a agenda de matriz religiosa de deputados da bancada evangélica tem barrado qualquer legislação pró-aborto ou pró-casamento gay.

Sem inovar na forma, é um filme que não esconde que lado defende: contrapõe discursos engajados de membros de movimentos homossexuais e de coletivos feministas aos argumentos teocêntricos de deputados como Marco Feliciano e João Campos e de falastrões como Jair Bolsonaro.

Ao abordar a figura do pastor Silas Malafaia, um dos maiores opositores ao aborto e aos direitos dos homossexuais, por exemplo, os diretores tratam de embutir imagens da cobrança do dízimo, inclusive por maquininhas de cartão de débito.

“Demos palavra a todo mundo. As pessoas não têm vergonha de falar o que falam”, diz a diretora Aude, nascida na França, que conta ter optado por fazer um filme que abordasse o paradoxo da liberdade sexual do Brasil: “Não precisa de mais do que dois dias para perceber que não é um país assim tão liberal”.

Ao não avançar sobre o senso-comum dos argumentos conservadores que emperram pautas liberais no Legislativo, o filme deixa aquela mesma impressão de se estar lendo um textão de rede social, daqueles escritos justamente para que seus amigos concordem. “Sexo, Pregações e Política” parece pregar para convertidos –não os convertidos à Bíblia, é claro.

O jornalista viajou a convite do Festival de Brasília
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