‘Green Book’ pode cair fora da corrida do Oscar após polêmica sexual e religiosa

Na última segunda-feira (7) escrevi um texto de opinião da Ilustrada sobre a hipocrisia por trás da premiação de “Green Book” como melhor filme de comédia no Globo de Ouro. Em linhas gerais, defendi que soa demagógico que, com tantos bons longas sobre questão racial, a associação de imprensa de Hollywood tenha eleito justamente o mais anódino, o mais condescendente e o único dirigido por um cineasta branco.

Dias após a premiação, começaram a pipocar duas controvérsias envolvendo os realizadores da produção que só corroboram a tese de que “Green Book” é uma obra vazia e –por que não?– interesseira. Parece quer lucrar pegando carona no marketing do bom-mocismo, abastecido pela grita de movimentos como o #MeToo e o Black Lives Matter, mas os responsáveis pelo filme não têm lastro para levantar essa bandeira. Muito pelo contrário.

A primeira das polêmicas, de ordem religiosa, envolve o roteirista do filme. Em 2015, Nick Vallelonga escreveu no Twitter, concordando com uma mensagem de Donald Trump, que muçulmanos do estado de Nova Jersey, vizinho a Nova York, haviam aplaudido o atentado terrorista ao World Trade Center.

Para um filme que se vende como um manifesto pró-integração étnica, soa bastante contraditório que o seu autor tenha uma opinião dessas. Até porque Mahershala Ali, que interpreta um dos personagens principais de “Green Book”, é muçulmano.

A história do filme é inspirada num caso real envolvendo o pai de Vallelonga. O sujeito, um brucutu ítalo-americano que trabalhava em boates da máfia em Nova York, resolve aceitar o trabalho de chofer para um jazzista negro e gay em turnê pelo Sul dos Estados Unidos. O problema é que tudo se deu no início dos anos 1960, época da segregação racial naqueles rincões. O longa, com pegada motivacional, faz uma ode a essa união entre o motorista branco e o passageiro negro lançando mão de uma irrealista pieguice que lembra a de “Conduzindo Miss Daisy”.

A outra polêmica envolvendo o filme, dessa vez de cunho sexual, está ligada ao diretor da obra, Peter Farrelly. Em uma reportagem publicada pela revista Newsweek em 1998, e que voltou à tona agora, traz uma declaração da atriz Cameron Diaz afirmando que o cineasta costumava assediá-la, mostrando seu pênis, durante as gravações de “Quem Vai Ficar com Mary?”.

Um parênteses: Sim, antes de se render ao marketing da boa causa, Farrelly era mais conhecido por dirigir comédias politicamente incorretas, como “O Amor É Cego” e “Eu, Eu Mesmo e Irene”.

O diretor publicou um pedido de desculpas. “Eu fui um idiota. Fiz isso décadas atrás, achando que estava sendo engraçado, e a verdade é que estou envergonhado. Sinto muito.”

Na esteira de movimentos identitários, que cada vez fazem uma pressão maior sobre a indústria, vai ficar difícil que “Green Book” continue em alta na temporada de premiações.

Ao menos, que sirva para abrir os olhos diante de certa hipocrisia por trás de algumas escolhas das grandes premiações e de um discurso que se diz engajado, “ma non troppo”, como o dos organizadores do Globo de Ouro.