Na reta final de Berlim, dramas discutem a Europa de hoje

A mostra competitiva do Festival de Berlim terminou nesta sexta (23), com dois filmes que voltam seus olhares para certa Europa interiorana com pretensões de abordarem a atual condição do continente.

Da Polônia, vem a nova obra da diretora Malgorzata Szumowska, que já foi premiada no festival com o prêmio de direção por “Body”, em 2015. Agora, com “Mug”, ela cavouca uma das inquietações mais pungentes de seu país, a força do catolicismo arraigado na sociedade.

Jazek (Mateusz Kosciukiewicz) é um afável deslocado na pequena comunidade rural em que vive com a família. De cabelos compridos, costas tatuadas e fã de heavy metal, ele zomba dos devotos e é chamado de satanista pelas crianças locais. Londres pode ser uma escapatória para esse sujeito que não se encaixa naquela vida comezinha.

Trabalhando como pedreiro nas obras do que será a maior estátua de Cristo do mundo, “maior até do que aquela do Rio”, como diz o padre, Jazek sofre um acidente e é submetido a um transplante facial, o que muda um tanto a forma como ele é acolhido pelos locais.

Mas vem da Alemanha a obra mais contundente. Com ecos de “Toni Erdmann”, a dramédia cáustica “In The Aisles” (nos corredores) faz humor com a alienação no universo do trabalho. O registro ganha contornos mais ferinos por ambientar a trama na região que outrora pertencia à Alemanha Oriental, comunista.

Recém-contratado para trabalhar como estoquista num supermercado, Christian (Franz Rogowski) deixa para trás a luz do dia para viver entre corredores, mantimentos e, sobretudo, empilhadeiras –as máquinas, inclusive, têm papel destacado. Há licença para conduzi-las e todo um ritual envolvendo o manejo delas.

Em certo momento da obra de Thomas Stuber, um velho estoquista se queixa de ter deixado a liberdade das estradas dos tempos em que dirigia caminhões na Alemanha comunista para ter sido obrigado a conduzir as tais empilhadeiras na Alemanha pós-Guerra Fria. “Que grande coisa essa reunificação nos fez”, reclama.

Grande crítica ao capitalismo que transforma o trabalho no barômetro das relações humanas, “In The Aisles” se credenciou a um dos títulos favoritos a levar o Urso de Ouro.

Além dele, está bem cotado o também alemão “Transit”, de Christian Petzold, que embora recue aos anos da França ocupada pelos nazistas traz alguns acenos à contemporânea crise dos refugiados.

Do paraguaio Marcelo Martinessi, o drama “Las Herederas”, que tem o Brasil entre os países coprodutores, também desponta como um dos mais elogiados –ao menos, pela imprensa. Redenção do americano Gus Van Sant, “Don’t Worry He Won’t Get Far on Foot” é outro que ganhou aplausos entusiasmados por seu retrato sem muito sentimentalismo de um cartunista tetraplégico que luta para vencer o alcoolismo.

Nenhum deles, entretanto, gerou tanto fuzuê quanto o norueguês “Utøya, 22.Juli” e o romeno “Touch Me Not”. O primeiro recria, no limite da ética e do sadismo, o atentado de um extremista de direta a jovens num acampamento; o segundo, mais experimental, tem a pretensão de quebrar tabus envolvendo corpo e sexo por meio de encenações e depoimentos reais.

Esses dois últimos, contudo, são apostas mais radicais, que podem ser premiadas a depender da ousadia do júri capitaneado pelo diretor alemão Tom Tykwer. A cerimônia é neste sábado (24).

Na foto acima, cena de ‘In The Aisles’ (Créditos: Divulgação)

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