Van Sant escapa da pieguice em filme sobre tetraplégico alcoólatra
A história de superação de John Callahan, cartunista americano que lutou contra o alcoolismo após ter ficado tetraplégico, poderia resultar em mais um filme genérico com mensagem piegas –não fosse o fato de o projeto ter caído nas mãos de Gus Van Sant, cineasta de humor cáustico e fora do padrão.
Mas mesmo ele, cineasta que começou a carreira com tramas sobre personagens marginais, já deu suas derrapadas em histórias mais quadradas –que o diga “Gênio Indomável” (1997).
Mas ajuda bastante o fato de o próprio Callahan, morto em 2010, ter sido um iconoclasta que usava em seus cartuns um humor politicamente incorreto, muitas vezes macabro, até mesmo quando tratava da própria deficiência.
É o que mostra “Don’t Worry, He Won’t Get Far on Foot” (não se preocupe, ele não irá longe a pé), que Van Sant apresentou nesta terça (20) na competição do Festival de Berlim.
Quem dá corpo ao protagonista é Joaquin Phoenix, ator que já havia trabalhado com Van Sant lá atrás, em 1995, com “Um Sonho sem Limites”(seu irmão mais velho, River Phoenix, foi “muso” do diretor até sua morte, em 1993).
O drama cômico acompanha o personagem em sua vida boêmia pré-acidente, caçando rabos de saia e entornando qualquer coisa alcoólica que pintasse à frente. Ao sobreviver a um desastre de carro –conduzido por um amigo igualmente bêbado–, ele se dá conta de que perdeu os movimentos dos membros.
Recorrer a suas charges serve de grande motivação, mas para vencer o vício no álcool ele tem de se submeter às reuniões dos Alcoólicos Anônimos –grupo que reúne meia dúzia de pobres-coitados e suas idiossincrasias, incluindo o líder deles, um gay soropositivo interpretado por Jonah Hill (“O Lobo de Wall Street”).
As reuniões se revelam uma provação a Callahan, que se vê obrigado a parar de culpar os outros e se portar como vítima para assumir responsabilidade pelos rumos da própria vida.
“Ele foi alguém que sempre desafiou os limites”, disse Van Sant na conversa com a imprensa após a sessão. Com esse filme ele retorna ao universo de Portland, cidade no Estado do Oregon que é cenário para boa parte de seus longas. “O que nos interessava era o retrato de um sujeito de personalidade, e que se supera.”
“Don’t Worry” também escapa de outra armadilha comum a filmes do gênero: não deposita peso dramático em eventuais transformações físicas de Phoenix vivendo um cadeirante com movimentos limitados, mas na sua jornada psicológica por redenção.
Ele, que ganhou o prêmio de melhor ator no último Festival de Cannes por “You Were Never Really Here” é novamente cotado ao mesmo prêmio, agora em Berlim.
Não que isso tenha amainado sua famosa indisposição em comparecer a festivais internacionais de cinema. Na conversa com a imprensa, Phoenix se mostrou irritado quando um jornalista brasileiro perguntou qual seria a importância do silêncio no trabalho.
“Esse é o tipo de pergunta com cara de inteligente que fazem em festivais”, disse.
Na foto acima, Phoenix e Jonah Hill em cena de ‘Don’t Worry…’ (Créditos: Divulgação)
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