‘Terroristas também têm consciência’, diz José Padilha em Berlim
Ao apresentar seu novo filme no Festival de Berlim, o diretor brasileiro José Padilha rebateu as críticas de que a obra suaviza a imagem dos personagens principais, dois alemães pró-Palestina que sequestram um avião cheio de passageiros israelenses.
“Terroristas também têm consciência. Cometeram algo inescusável, errado, mas são seres humanos e eu tinha de retratá-los como tal”, disse após a sessão de “7 Dias em Entebbe”, produção anglo-americana que teve sua estreia mundial nesta segunda (19).
Não fosse o fato de o cineasta carioca ter assumido o projeto quando ele já existia, o filme poderia se passar por uma obra realmente idealizada pelo diretor de “Tropa de Elite” e “Ônibus 174”.
Estão lá, como em seu longa mais famoso, os dilemas sobre os limites do uso da força, o argumento militarista e as zonas cinzentas dos polos em disputa.
Com essa sua nova produção, Padilha volta à competição do Festival de Berlim, mas desta vez sem disputar o Urso de Ouro, prêmio que ele levou em 2007 com a primeira parte de sua saga sobre o Capitão Nascimento.
O novo filme reencena um caso real ocorrido em 1976, o sequestro de um avião da Air France lotado de passageiros israelenses por militantes pró-Palestina e seu desvio para a cidade ugandense de Entebbe. Entre os sequestradores estavam dois alemães, Wilfried Böse e Brigitte Kuhlmann, vividos no filme por Daniel Brühl (“Adeus Lênin”) e Rosamund Pike (“A Garota Exemplar”), respectivamente.
“A história oficial desse episódio é contada sob o ponto de vista militar, mas há outros elementos que não estavam na versão, como o fato de que Böse protegeu os reféns em certo momento, que mudou de ideia”, afirmou o cineasta brasileiro em conversa com a imprensa após a sessão.
É em cima de Böse e de Kuhlmann que o filme deposita a maior parte do peso dramático da trama. Ingênuos e despreparados para a possibilidade de derramar sangue, os dois se batem com as contradições da empreitada; estão engajados na luta pró-palestinos, mas cedo se nota que nenhum têm a frieza emocional necessária.
“Entebbe” contrapõe as motivações da dupla de alemães das razões que impelem seus parceiros do Oriente Médio.
“Os palestinos o faziam por causa conflito, aquilo era pessoal e visceral. Os outros vinham de uma tradição da esquerda dos anos 1970, o faziam pelo marxismo, pela ideia”,
“Os reféns desafiavam a motivação de Böse e o acusavam o nazista, o que é a última coisa que alguém de esquerda daquela época gostaria de ser acusado. E ele tentava a todo custo se afastar dessa impressão ao falar com os reféns.”
Longe do cenário do atentado, na cúpula do governo israelense, o diretor cria um thriller de gabinete. O premiê Yitzhak Rabin (Lior Ashkenazi) e seu ministro da Defesa, Shimon Peres (Eddie Marsan), também enfrentam seus próprios xadrezes políticos e e, sobretudo, discordam um do outro sobre a operação militar de resgate dos passageiros.
“Quando se olha a dinâmica entre os dois, você percebe a dificuldade de dialogar em Israel”, diz o diretor.
Já o ditador ugandense Idi Amin (Nonso Anozie), que na trama espera barganhar com as potências ocidentais por meio do episódio, é retratado com direito a todos os seus aspectos folclóricos já explorados no cinema. É praticamente o alívio cômico do filme.
Padilha acrescenta ao caldo da querela árabe-israelense questões como culpa alemã, utopia esquerdista e sionismo, mas sem tomar partido.
Acaba costurando uma obra que pode, como notou a revista americana “The Hollywood Reporter”, irritar o atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
É que ao mostrar a operação, a trama destoa da versão defendida pela família do premiê, segundo a qual Yoni, militar e irmão mais velho do premiê, foi chave no resgate e morreu sob fogo palestino.
No filme de Padilha, além de seu papel ser bem menor , ele é alvejado por ugandenses. “Não é uma história que vai agradar a Netanyahu”, disse à publicação o historiador Saul David, cujo livro inspirou o roteiro.
Padilha comentou as contradições e disse que se inspirou no relato daqueles que efetivamente participaram da operação. “A minha versão é aquela dos que estavam lá, as testemunhas visuais.”
Brühl também comentou as motivações do personagem. “Não é necessário sentir empatia por ele, mas entender as suas motivações. Dava para compreender a voz desses alemães e o ódio deles em direção à geração dos pais [dos tempos do nazismo]”.
Ele e Rosamund Pike também brincaram com o fato de estarem cercados de brasileiros na produção (além de Padilha, há Lula Carvalho na direção de fotografia, Daniel Rezende na montagem e Rodrigo Amarante na trilha sonora).
“O que havíamos planejado nunca dava certo na hora, então sempre tínhamos de improvisar. Não sei se isso é algo brasileiro, mas é o que acontecia”, brincou Pike.
O episódio já foi mote do filme israelense “Operação Thunderbolt” (1977), que teve o mitológico ator Klaus Kinski no papel de Böse.
No alto, Romamund Pike e Daniel Brühl em cena de ‘7 Dias em Entebbe’ (Créditos: Divulgação)
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