‘Meus filmes são uma reação a Hollywood’, diz cineasta Gus Van Sant
Cineasta dos marginais, dos adolescentes perdidos e de divagações oníricas, o americano Gus Van Sant (na foto acima, ao centro) está em São Paulo. Ele é o homenageado desta edição do Festival Mix Brasil, que exibe uma retrospectiva de seis de seus filmes, incluindo “Milk” e “Garotos de Programa”.
Por seus longas zanzam párias de um “bas-fond” glamorizado, que poderiam ter saído das páginas do escritor Jean Genet ou das lentes do fotógrafo Philip-Lorca DiCorcia. Nas mãos do cineasta, que despontou no circuito independente nos anos 1980, eles viraram a cara do chamado “new queer cinema”, onda de filmes com personagens de sexualidades dilatadas. Entrevistei Van Sant para uma matéria de capa publicada pela “Ilustrada” na última segunda (13).
Vencedor da Palma de Ouro (por “Elefante”) e duas vezes indicado ao Oscar (por “Milk” e “Gênio Indomável”), o diretor comentou sobre momentos da carreira em palestra dada na manhã de sexta (17), a uma plateia formada principalmente por estudantes de cinema e entusiastas de sua obra. A seguir, os principais trechos.
*
Como descobriu o cinema
Estudando numa escola no Estado de Connecticut, nos anos 1960, eu gostava das aulas de arte. Tinha um professor abertamente gay que costumava chamar os meninos mais bonitos da classe para ficarem sem camisa enquanto o resto da turma os desenhava. Aos 16, descobri os filmes da cena underground de Nova York. Era uma época interessante para artistas iniciantes: arquitetos virama roqueiros, roqueiros viravam cineastas, enfim.
O ‘new queer cinema’
Acho que fui um precursor, mais do que um contemporâneo de diretores como Todd Haynes e Gregg Araki. Mas, sim, fui muito ligado a esse movimento, que estava mais concentrado em Nova York, enquanto eu estava na costa oeste. E eu comecei nos anos 1980, enquanto o movimento estourou nos anos 1990. Se eu tivesse que citar diretores e artistas que influenciaram os meus filmes, eles seriam Derek Jarman e Andy Warhol.
Começo modesto em “Mala Noche”
Quando comecei, com o filme “Mala Noche”, a minha equipe era pequena: eu, um operador de câmera, outro de som, e um assistente, fora o elenco. Era incrível como conseguíamos nos mover de lugar em lugar com uma agilidade. Definíamos as locações no dia, perguntávamos quem conhecia um bar assim e tal, e íamos lá, às vezes antes de abrir. Desde que comecei, com pequenas produções, sinto que meus filmes são uma resposta a Hollywood e às superproduções. Estou sempre tentando voltar a fazer aqueles filmes pequenos, como “Mala Noche”.
(Cena do filme ‘Mala Noche’, Créditos: Divulgação)
Diálogos improvisados em “Elefante”
No filme “Elefante”, trabalhamos muito com não atores. Os colégios eram o celeiro para pinçar esses meninos colegiais. Muitas dos diálogos partiram de conversas que ouvi os não-atores tendo entre si, e que incorporei no filme.
Algo semidocumental em “Garotos de Programa”
Também usei diálogos improvisados em “Garotos de Programa”, na cena em que os dois meninos discutem sobre os casos que tiveram. A locação era um bar cheio de pessoas de rua, de meninos muito jovens e com cara meio “hardcore”. O que eles falam é real, é a vida deles, ou seja, é documental. Mas editado junto do material ficcional de “Garotos”, fica um todo orgânico, e as pessoas não sabem que é documental. O filme é uma jornada estranha ao Idaho.
A trilogia da morte
“Gerry”, “Elefante” e “Últimos Dias” partem de uma reação minha à cobertura jornalística de tragédias. Os três têm um mistério no coração deles. Quando Kurt Cobain morreu, em 1994, houve uma intensa cobertura, com vigília e experts comentando aquilo. Kurt era do Noroeste, como eu. E eu sentia que podia ter algo a dizer sobre ele. Daí, em “Os Últimos Dias”, tentei imaginar o que ele fez naqueles últimos dias antes de ele ser achado morto. Em “Elefante”, eu queria responder o que teria levado os meninos a cometerem aquele atentado. E em “Gerry”, queria saber o que levou um sujeito a matar o próprio amigo no deserto.
(River Phoenix em cena de ‘Garotos de Programa’)