Longa feminino arranca risadas com olhar estrangeiro sobre o Brasil

GUILHERME GENESTRETI

A proposta não era lá ser um filme engraçado. Em passagens por festivais estrangeiros, como o de Roterdã, “A Cidade Onde Envelheço” não havia adquirido a veia cômica que obteve quando estreou na noite de sexta (23), na competição do Festival de Brasília.

As risadas foram arrancadas involuntariamente do público brasileiro, em particular da observação das duas protagonistas do filme, jovens amigas portuguesas, sobre as peculiaridades do Brasil: do hábito petulante de se pedir cigarros na rua até a disposição improvisada dos azulejos nos banheiros.

Elizabete Francisca e Francisca Manuel fazem o papel das duas amigas lusitanas, Teresa e Francisca: a primeira parte para Belo Horizonte no encalço da amiga com quem perdeu contato há muitos anos que já vive na capital mineira há algum tempo. O filme da diretora Marília Rocha (do documentário “Aboio”) é uma coprodução com Portugal.

Cena de "A Cidade Onde Envelheço"
Cena de “A Cidade Onde Envelheço”

“Foi do encontro de Francis com Marília que surgiu a base para a construção do filme”, conta a atriz Elizabete. Sua parceira de cena chegou a viver por cinco meses em Belo Horizonte para se ambientar. “O filme é muito baseado na improvisação.”

As atrizes não memorizaram as suas falas para que as cenas fluíssem com mais naturalidade. Para além da questão do olhar estrangeiro, o filme é uma obra lacunar, cheia de silêncios, sobre a relação entre duas mulheres que há muito não se veem e que parecem guardar pouco em comum agora.

Numa edição tomada pelo engajamento, “A Cidade Onde Envelheço” é dos poucos filmes que passam ao largo dos humores políticos. Ainda assim, coros de “Fora, Temer” tem sido puxados pelas equipes de todos os longas e curtas a que a reportagem acompanhou.

UNIVERSOS PARALELOS

Um de seus concorrentes ao Candango, “O Último Trago”, que também foi exibido na sexta, incorre na seara política, mas em chave surrealista.

O longa é mais uma pareceria do trio Luiz Pretti, Pedro Diogenes e Ricardo Pretti –todos integrantes do coletivo cearense Alumbramento, que faz cinema de arte à base de orçamentos escassos. São do grupo filmes como “Estrada para Ythaca” e “Com os Punhos Cerrados”.

“O Último Trago” não situa a trama num universo em que tudo é simbólico, mítico. Num bar situado em algum rincão do país, perambulam homens de sabe-se-lá que época, sentam-se à mesa para invocar gente já morta.

Cena de "O Último Trago"
Cena de “O Último Trago”

Numa praia xis, de ambiente que aparenta pós-apocalíptico, uma mulher rasteja, encontra um prisioneiro –saberemos mais tarde que faz parte de um quarteto de mulheres anarquistas que assassinaram o papa no Brasil.

O roteiro alusivo, metafórico serve de estofo à plasticidade das imagens, captadas em fotografia grandiosa, que faz uso das sombras, da luz, que valoriza o ambiente. Nisso, ecoa o curta que o precedeu: “Solon”, da mineira Clarissa Campolina, que acompanha a movimentação de uma estranha criatura que rasteja por um universo devastado, cheio de fogo e poeira.

O jornalista viajou a convite do Festival de Brasília