Festival de Brasília exibe filme contundente sobre massacre indígena

GUILHERME GENESTRETI

A 49ª edição do Festival de Brasília ganhou sua sessão-catarse na noite desta quinta (22), com a exibição de um documentário de 160 minutos sobre o massacre dos povos indígenas guarani-kaiowá na fronteira entre Brasil e Paraguai.

“Martírio”, do francês radicado em Pernambuco Vincent Carelli (“Corumbiara”), foi aplaudido por mais de cinco minutos ao fim da sessão. Ele é quem conduz e narra a história dos embates de mais de um século entre índios e fazendeiros da região de Dourados (MS).

“O desafio era sair do gueto do filme etnográfico para expandir a consciência nacional”, diz o diretor e indigenista, criador do projeto Vídeo nas Aldeias, de ensino de técnicas audiovisuais a nativos. “Ele foi pensado como ferramenta de denúncia e reflexão.”

Cena do filme "Martírio", de Vincent Carelli (Fotos: Divulgação)
Cena do filme “Martírio”, de Vincent Carelli (Fotos: Divulgação)

A partir de imagens de cinejornais, o documentário recua na história para contar a ocupação daquelas terras pelos nativos, sua cooptação para o cultivo da erva-mate, as tentativas do governo de “civilizá-los” e a militância pela demarcação. Mostra também o cotidiano dos indígenas, muitos vivendo em barracas à beira da estrada e próximos a onde enterram parentes mortos em conflito com os brancos.

É um documentário que sobressai dentro do atual panorama de filmes que defendem um viés social: não fica restrito às lamúrias de um ponto de vista ao qual é fácil o público politizado dos festivais se afeiçoar.

Carelli esmiúça as estruturas políticas e econômicas daquele cenário: mostra relações entre fazendeiros e empresas de segurança privada, que abastecem pistoleiros, se detém nas discussões parlamentares.

Quando um político expõe o vídeo de um capataz ser aparentemente torturado pelos indígenas, o diretor retorna ao local dos fatos, indaga os índios, reconstitui o evento. No trecho mais impressionante, dá a câmera para que os próprios indígenas registrem a ação de pistoleiros.

A exibição do filme, que compete pelo prêmio Candango, inflamou o público de uma mostra conhecida pela sua politização: houve vaias e berros nas cenas que mostravam discursos de deputados ruralistas –alguns defendendo que os índios eram bancados por governos estrangeiros, outros ironizando os antropólogos.

“Martírio” se soma a outros quatro longas e curtas, documentais e ficcionais, que tratam da questão indígena, caso de “Antes o Tempo Não Acabava”, de Sérgio Andrade e Fábio Baldo, sobre o embate entre um jovem e sua tribo.

JEAN-CLAUDE BERNARDET

Fora da competição, um dos destaques da quinta (22) foi a exibição do docudrama “A Destruição de Bernardet”, de Claudia Priscilla e Pedro Marques. O filme fica na cola do crítico,  professor, escritor e ator Jean-Claude Bernardet, um dos maiores teóricos do cinema no Brasil.

A partir de conversas com parceiros e gravações em fitas cassete, o filme aciona as lembranças de Bernardet, cuja trajetória se mistura à do próprio cinema nacional das últimas seis décadas. Também o põe para atuar, registra seu cotidiano, suas interações.

Nascido na Bélgica e naturalizado brasileiro, Bernardet divaga sobre ser um “bastardo” na acepção de Sartre: um sujeito que não faz parte inteiramente de nenhuma cultura, e trata da sua colaboração com uma nova geração de cineastas, que o têm usado como ator em seus filmes: Cristiano Burlan e Kiko Goiffman.

“É para conseguir uma longevidade criativa”, diz Bernardet, com todos os seus erres pronunciados.

O jornalista viajou a convite do Festival de Brasília