Não dá para separar o ser humano de sua sexualidade, diz Sonia Braga

GUILHERME GENESTRETI

Dona Flor, Dama do Lotação, Tieta, Mulher Aranha, Gabriela… E agora também Clara, a viúva sexagenária de “Aquarius”, novo filme de Kleber Mendonça Filho.

A atriz Sonia Braga completa 66 anos nesta quarta (8), reafirmando seu posto de rosto mais famoso do cinema brasileiro, frequentemente vinculada a personagens com alta voltagem sexual –um antídoto à caretice que insiste em tomar conta do debate sobre os costumes no país.

“Quando foi que a sociedade separou, de um lado, o ser humano, e do outro, a sexualidade?”, indaga a atriz. “É tudo junto: a gente carrega os nossos órgãos sexuais.”

Seu papel em “Aquarius”, que ela define como a primeira vez em que sentiu uma “identificação total”, também não foge à regra e aborda uma forma bastante libertária de retratar a sexualidade feminina depois dos 60.

“Aquarius” deve chegar aos cinemas brasileiros no segundo semestre.

 

Brazilian actress Sonia Braga poses as she arrives on May 21, 2016 for the screening of the film "Elle" at the 69th Cannes Film Festival in Cannes, southern France.  / AFP PHOTO / ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
A atriz brasileira Sonia Braga na première de “Elle”, no Festival de Cannes. (Créditos: Anne-Christine Poujoulat/AFP)

Nesta semana, a atriz voltou ao noticiário depois de rebater críticas feitas pelo atual ministro da Cultura, Marcelo Calero.

No domingo, o titular da pasta nomeado pelo presidente interino chamou de “quase infantil” e “até um pouco totalitário” o ato anti-impeachment encampado por Sonia e pela equipe do filme “Aquarius” antes da exibição do longa, no Festival de Cannes.

“Como pode um Ministro dizer que um ato democrático como o nosso é a representação de um País inteiro?”, revidou Sonia em seu perfil no Facebook. “Isso é desconhecimento do que significa plena democracia.”

Leia entrevista completa que ela concedeu à coluna no mês passado, em Cannes, logo após a exibição de “Aquarius”, e reveja momentos marcantes de sua trajetória na galeria de fotos.

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Sem Legenda – Você já conhecia a obra de Kleber Mendonça Filho?
Sonia Braga – Já tinha ouvido muito falar do trabalho dele, mas não tinha visto ainda. Quando me convidaram para o “Aquarius”, me mandaram um link com “O Som ao Redor”. E aí aconteceu algo interessante: eu vi um Brasil que era diferente daquele dos outros filmes.

Qual é o Brasil dos outros filmes?
Um Brasil sempre num outro tom, com falas que não têm sentido, de gente falando alto, gritando. Quando eu vi “O Som ao Redor” foi como se eu tivesse entrado numa outra dimensão. Agora estou em outra.

Que salto acha que deu com “Aquarius”?
Tudo mudou para mim quando eu fiz 65 anos [em junho do ano passado] e pensei “Mas é isso mesmo?”. Até fiz uma montagem com uma foto minha e botei na internet: “65 is just the begining” [“65 é só o começo]. E esse filme é parte disso. Encontrei um grupo de pessoas, esse pessoal do Recife, uma gente ativa que tem um processo artístico, social e econômico, que foi uma coisa que eu só tinha vivido em São Paulo nos anos 1960 e depois nunca mais. Esse foi o salto.

Você se identifica com a personagem do filme?
Existe uma palavra em inglês para isso e que não tem uma tradução exata no português: “merge”. Foi a primeira vez que senti uma identificação total, algo puro como água, como o encontro das águas, como se a Clara fosse o mar, e eu, a cachoeira. Iemanjá e Oxum.

A sua figura no cinema e na televisão é muito relacionada à sensualidade. No filme, Clara também lida com essa questão.
É, não dá para fugir dela. Quando foi que a sociedade separou, de um lado, o ser humano, e do outro, a sexualidade? Quando foi que dividiram isso? É tudo junto: a gente carrega os nossos órgãos sexuais Nossa, gostei dessa resposta! Vou começar a usar.

Você é o rosto do cinema brasileiro. Por que ficou tanto tempo sem rodar um filme nacional?
Não é opção minha, apesar de eu viver hoje em Nova York. Talvez pelo surgimento de uma nova geração de pessoas que não me conhecem se criou uma imagem de que eu sou distante. Não sou. Eu até fiz aquele curta, “Feijoada Completa” [de Ângelo Defanti, 2012]. Se alguém quisesse me chamar, teria me chamado.

Você também está afastada da televisão. Por quê?
Adoro fazer televisão porque todo mundo assiste. Não é como o cinema, que acaba comprometendo o orçamento do público. Se a pessoa vai ao cinema, acaba sem dinheiro para o ônibus. Mas a TV é popular. Gosto de entreter o público. O problema é que ficou complicado: a televisão começou a jogar cartas muito altas, não pagar direitos autorais.

Você se refere à TV Globo, que processou?
Como é possível eles usarem uma imagem minha, sem falar do meu nome, para dar publicidade às novelas deles, como “Dancin’ Days”? Hoje, quando tenho algum problema eu coloco tudo nas redes sociais.

Mas você também se manifesta fora delas. Na estreia de “Aquarius”, você participou do protesto anti-impeachment.
Eu endosso a democracia. Absolutamente. Não uso a palavra [golpe], porque me traz pesadelos dos anos 1960. Tive uma amiga desaparecida naquela época. Acho que houve uma manipulação, uma transformação forçada.

Que achou da votação do impeachment?
Não entendo como um presidente da Câmara, criminoso, pode julgar uma pessoa que nem foi condenada e contra quem não se descobriu nada ainda. Vi a votação em Nova York. Foi revoltante. Foi horrível.