Tiradentes homenageia ‘xamã’ Andrea Tonacci
GUILHERME GENESTRETI
Diário de Tiradentes, dia 1.
A Mostra de Tiradentes é uma espécie de Flip do cinema autoral brasileiro. Também ocorre numa cidade colonial de rua de pedras capazes de quebrar um calcanhar, reúne um punhado de gente do setor em debates e é lotada de programação cultural que vai muito além do foco do evento: os filmes.
(Agora mesmo, enquanto escrevo este texto tamborila pela rua principal um bloquinho carnavalesco, arremessando marchinhas janela adentro da sala de imprensa. Toca a musiquinha oitentista do Balão Mágico neste momento: “sou feliz, por isso estou aqui…” e emenda com Trem da Alegria)
O festival, a mais importante vitrine do cinema nacional de autor, conta nesta sua 19ª edição com 35 longas-metragens e 82 curtas, muitos em pré-estreia nacional e mundial. Tem um propósito um pouco diferente das infladas Mostra de São Paulo e o Festival do Rio; é mais calcado em revelar novos nomes da produção brasileira. Adirley Queirós (“Branco Sai, Preto Fica”), Bruno Safadi (“Meu Nome É Dindi”) e Guilherme Coelho (“Órfãos do Eldorado”) são alguns dos nomes que já passaram por aqui.
Dá para dizer que a mostra de Tiradentes abre o calendário do cinema brasileiro e reúne na cidadezinha mineira de (7.000 habitantes e distante 180 km de uma sacolejante rota de Belo Horizonte) uma pequena e barulhenta multidão de cinéfilos –os primeiros são logo avistados nas mesinhas de madeira de um restaurante de beira de estrada, parada obrigatória dos habituês que já conhecem o famoso pão de queijo com linguiça do local (iguaria indicada pelo colega Sérgio Alpendre, crítico da Folha).
O XAMANISMO DE ANDREA TONACCI
Neste ano, o festival homenageia os 50 anos de carreira de Andrea Tonacci, cineasta ítalo-brasileiro de produção bissexta e cultuada que voltou aos holofotes em 2006 com a exibição, aqui em Tiradentes, do elogiado documentário “Serras da Desordem”, sobre um índio que sobrevive ao massacre de sua tribo e vai parar em Brasília. Pois este filme foi reexibido na noite de sexta (22), na abertura deste ano do festival.
O nome do cineasta é mais familiar a quem conhece a produção brasileira dos anos 60 e 70: Tonacci é ligado ao cinema independente feito em São Paulo na época, tendo despontado na mesma época que Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach e Ozualdo Candeias.
No curta “Blá Blá Blá” (1968), Tonacci ironizava a fala dos governantes militares da época da ditadura, que travestiam o tiranismo sob as vestes de um discurso humanista. Paulo Gracindo faz o papel do ditador demagógico.
Sua obra mais conhecida, o radical longa “Bang Bang” (1970) tem Paulo Cesar Pereio no papel de um ator que delira e confunde o que é personagem e o que é realidade enquanto foge de uma galeria de tipos excêntricos, inclusive sua autoimagem. A obra experimental, rodada em Belo Horizonte, escancara a falta de saída dos tempos de auge da repressão militar. O filme foi exibido naquele ano no Festival de Cannes.
“Eu tinha pavor da página em branco na hora de escrever o roteiro, de conseguir botar no papel as minhas ideias”, comentou o diretor na mesa de debates que abriu a programação, na manhã de sábado e contou com a presença do crítico da Folha Inácio Araujo.
Segundo ele, criar um filme tem algo de “xamânico”. “Porque você não está fazendo para o mal do mundo. Você está querendo para um equilíbrio do mundo. Uma percepção, uma compreensão. E ela não é sua, porque é um ritual público.”
Ainda na programação deste sábado tem as exibições de “Futuro Junho”, “Através da Sombra” e “O Diabo Mora Aqui”: o primeiro um novo documentário de Maria Augusta Ramos; os outros dois, filmes de suspense/terror –“Através”, do veterano Walter Lima Jr., “O Diabo”, a dupla paulista Dante Vescio e Rodrigo Gasparini.
O jornalista GUILHERME GENESTRETI viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes