‘Obra’ retrata São Paulo como uma cidade do futuro que envelheceu

GUILHERME GENESTRETI

O cinzento de São Paulo já (des)coloriu os filmes de Luiz Sergio Person, Roberto Santos, Ugo Giorgetti, Walter Hugo Khouri… Mas foi em um cineasta estrangeiro, o alemão Wim Wenders (“Paris, Texas”), que o diretor paulistano Gregorio Graziosi achou inspiração para compor a São Paulo que aparece no filme”Obra”.

‘Ele a definiu como uma ‘cidade do futuro que envelheceu’. É como eu também a encaro”, conta o diretor.

O filme, que entrou em cartaz na última quinta (13), narra a história de um arquiteto (Irandhir Santos) às voltas com um obra em um terreno da família, onde encontra uma ossada. O achado o faz mergulhar numa crise que resvala em conflitos familiares e com a própria cidade onde vive.

O ator Irandhir Santos em cena rodada dentro do Ed. Eiffel, em São Paulo (Créditos: Divulgação)
O ator Irandhir Santos em cena rodada dentro do Ed. Eiffel, em São Paulo (Créditos: Divulgação)

 

O diretor, oriundo de família de arquitetos, afirma que quis registrar o aspecto menos “cartão postal”. “Dá para se conhecer cidades como Nova York e Paris apenas pelas fotos, mas a pessoa que vem a São Paulo encontra aqui o oposto ao que ela é vendida para fora.”

Dissociar o protagonista e o seu ambiente é impossível: a fotografia, em preto e branco, registra pilastras, a longilínea escada de emergência do Copan; o personagem sofre de uma hérnia de disco. É o homem arcando com os impactos urbanos no corpo; é a cidade que, tal como os homens, também tem suas colunas vertebrais.

“O nosso skyline é quase cubista: são linhas retas, linhas verticais e horizontais”, descreve Graziosi. “Todos esses ângulos retos influenciam de alguma forma a nossa vida.”

A câmera de Graziosi, com direção de fotografia assinada por André Brandão, perambula pelas estranhezas de São Paulo: a arquitetura grotesca do Minhocão, os ângulos do Conjunto Nacional. O cineasta diz que procurou se inspirar nas imagens capturadas pelo fotógrafo Cristiano Mascaro, andarilho que registra a “beleza na feiura de São Paulo.”

A trama, centrada na descoberta da ossada misteriosa, reverbera a própria tradição histórica da cidade: esconder o passado sobre toneladas de concreto cinza: “É o refluxo da memória. O paulistano tenta esconder o passado, mas ele sempre volta”.