Festival de cinema LGBT debate gênero e sexualidade em SP
Na virada dos anos 1980 para 1990, uma geração de cineastas independentes inundou os cinemas do hemisfério norte com os dilemas do universo de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. Foi o chamado New Queer Cinema: voltado a debater questões de gênero e sexualidade de personagens que eles consideravam sub-representados nos filmes.
Gus Van Sant apostou em michês existencialistas (“Garotos de Programa”), Gregg Araki rodou uma espécie de “‘Thelma e Louise’ homossexual” (“The Living End”) e o canadense Bruce LaBruce investiu no escracho (“No Skin Off My Ass”).
O Brasil, que na época caminhava para o marasmo da produção cinematográfica que marcou os anos Collor, não acompanhou a tendência lá de fora. Foi só em anos mais recentes, que a produção gay floresceu no país –que o diga o sucesso de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel Ribeiro, no ano passado.
Entre os dias 28/5 e 10/6, o Cine Belas Artes, em São Paulo, exibe uma mostra de 27 filmes, entre curtas, médias e longas, sobre o chamado New Queer Cinema: são filmes da época em que o movimento eclodiu lá fora e boa parte das produções brasileiras recentes.
Além dos já citados Van Sant, Araki e La Bruce, há filmes de Isaac Julien (“This Is Not An Aids Advertisement”) e Derek Jarman (“The Queen Is Dead”), dois dos nomes mais conhecidos do chamado movimento queer nas artes.
(A expressão “queer”, aliás, gerou discussão entre mim e meus colegas de bancada na “Ilustrada” Raquel Cozer e Silas Martí: mais do que simplesmente englobar as orientações sexuais LGBT, o termo também extravasa o binarismo de gêneros masculino/feminino, ou seja, é o que se opõe à heterossexualidade como norma).
Mas será que existe um chamado cinema queer brasileiro?
“Essa é a grande questão da mostra”, responde o professor da UFRJ Denilson Lopes, especialista no tema e um dos curadores da mostra, com Mateus Nagime. “A ideia da mostra é mostrar o que há de atual naqueles filmes antigos e o que há de diálogo entre aquelas produções mais antigas e as atuais brasileiras.”
Representam o Brasil na mostra cineastas como Karim Aïnouz e Hilton Lacerda. Do primeiro, o festival exibe o documentário confessional em curta-metragem chamado “Seams”, rodado em 1993, que aborda o passado do diretor e sua relação com sua família num ambiente machista.
“Karim foi uma das pontes entre o que se fazia lá o que se fez no Brasil”, diz Lopes. “Ele trabalhou como assistente de direção em Nova York bem na época em que o movimento ganhava força nos Estados Unidos.”
De Lacerda vem um exemplar cultuado da nova safra do cinema pernambucano, “Tatuagem” (2013). O longa traz Irandhir Santos no papel de um ator de teatro que se apaixona por um jovem soldado (Jesuíta Barbosa) em plena ditadura militar. O filme, que faturou prêmios em festivais país afora, é talvez o mais conhecido representante do que se poderia chamar de cinema queer brasileiro.
O diretor Marcelo Caetano, que já marcou presença no Festival Mix Brasil, tem seu curta sobre solidão “Na Sua Companhia” (2012) exibido logo na abertura. É seguido pelo longa “Animal Sonhado”, de Breno Batista.
Os dois diretores, aliás, baterão papo sobre o que é o New Queer Cinema brasileiro na quinta (28), com Denilson Lopes.
De Tavinho Teixeira vem a comédia paraibana “Batguano”, que imagina Batman e Robin como um casal de “bichas velhas”. Já “Doce Amianto”, de Guto Parente e Uirá dos Reis, é uma espécie de conto de fadas transgênero –produção bem ao estilo das de Bruce LaBruce.
Confira a programação completa no site do festival.