Festival de cinema LGBT debate gênero e sexualidade em SP

GUILHERME GENESTRETI

Na virada dos anos 1980 para 1990, uma geração de cineastas independentes inundou os cinemas do hemisfério norte com os dilemas do universo de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. Foi o chamado New Queer Cinema: voltado a debater questões de gênero e sexualidade de personagens que eles consideravam sub-representados nos filmes.

Gus Van Sant apostou em michês existencialistas (“Garotos de Programa”), Gregg Araki rodou uma espécie de “‘Thelma e Louise’ homossexual” (“The Living End”) e o canadense Bruce LaBruce investiu no escracho (“No Skin Off My Ass”).

O Brasil, que na época caminhava para o marasmo da produção cinematográfica que marcou os anos Collor, não acompanhou a tendência lá de fora. Foi só em anos mais recentes, que a produção gay floresceu no país –que o diga o sucesso de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel Ribeiro, no ano passado.

Entre os dias 28/5 e 10/6, o Cine Belas Artes, em São Paulo, exibe uma mostra de 27 filmes, entre curtas, médias e longas, sobre o chamado New Queer Cinema: são filmes da época em que o movimento eclodiu lá fora e boa parte das produções brasileiras recentes.

Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos em cena do filme "Tatuagem" (2013), de Hilton Lacerda
Jesuíta Barbosa e Irandhir Santos em cena do filme “Tatuagem” (2013), de Hilton Lacerda

Além dos já citados Van Sant, Araki e La Bruce, há filmes de Isaac Julien (“This Is Not An Aids Advertisement”) e Derek Jarman (“The Queen Is Dead”),  dois dos nomes mais conhecidos do chamado movimento queer nas artes.

(A expressão “queer”, aliás, gerou discussão entre mim e meus colegas de bancada na “Ilustrada” Raquel Cozer e Silas Martí: mais do que simplesmente englobar as orientações sexuais LGBT, o termo também extravasa o binarismo de gêneros masculino/feminino, ou seja, é o que se opõe à heterossexualidade como norma).

Mas será que existe um chamado cinema queer brasileiro?

“Essa é a grande questão da mostra”, responde o professor da UFRJ Denilson Lopes, especialista no tema e um dos curadores da mostra, com Mateus Nagime. “A ideia da mostra é mostrar o que há de atual naqueles filmes antigos e o que há de diálogo entre aquelas produções mais antigas e as atuais brasileiras.”

Representam o Brasil na mostra cineastas como Karim Aïnouz e Hilton Lacerda. Do primeiro, o festival exibe o documentário confessional em curta-metragem chamado “Seams”, rodado em 1993, que aborda o passado do diretor e sua relação com sua família num ambiente machista.

“Karim foi uma das pontes entre o que se fazia lá o que se fez no Brasil”, diz Lopes. “Ele trabalhou como assistente de direção em Nova York bem na época em que o movimento ganhava força nos Estados Unidos.”

De Lacerda vem um exemplar cultuado da nova safra do cinema pernambucano, “Tatuagem” (2013). O longa traz Irandhir Santos no papel de um ator de teatro que se apaixona por um jovem soldado (Jesuíta Barbosa) em plena ditadura militar. O filme, que faturou prêmios em festivais país afora, é talvez o mais conhecido representante do que se poderia chamar de cinema queer brasileiro.

Keanu Reeves e River Phoenix em cena de "Garotos de Programa" (1991), de Gus Van Sant
Keanu Reeves e River Phoenix em cena de “Garotos de Programa” (1991), de Gus Van Sant

O diretor Marcelo Caetano, que já marcou presença no Festival Mix Brasil, tem seu curta sobre solidão “Na Sua Companhia” (2012) exibido logo na abertura. É seguido pelo longa “Animal Sonhado”, de Breno Batista.

Os dois diretores, aliás, baterão papo sobre o que é o New Queer Cinema brasileiro na quinta (28), com Denilson Lopes.

De Tavinho Teixeira vem a comédia paraibana “Batguano”, que imagina Batman e Robin como um casal de “bichas velhas”. Já “Doce Amianto”, de Guto Parente e Uirá dos Reis, é uma espécie de conto de fadas transgênero –produção bem ao estilo das de Bruce LaBruce.

Confira a programação completa no site do festival.