O que esperar do filme inédito de Eduardo Coutinho

GUILHERME GENESTRETI

“Acho que esse filme nunca seria aprovado pelo Eduardo Coutinho”, diz Jordana Berg. “Há coisas que incluímos de que ele talvez não gostasse; e tiramos outras de que ele gostava. Era difícil se comportar como se fosse Coutinho.”

A montadora  se refere a “Últimas Conversas”, documentário que o cineasta paulista rodava quando foi assassinado pelo filho, em fevereiro de 2014. O filme póstumo abrirá o festival de documentários É Tudo Verdade, que começa em 9/4 em São Paulo.

Eduardo Coutinho (1933-2014) é o maior nome do documentário brasileiro. Conhecido por dar voz a pessoas comuns, dirigiu mais de 20 filmes, incluindo “Cabra Marcado para Morrer” (1985), sobre um líder camponês da Paraíba, “Edifício Master” (2002), sobre a vida de moradores de um prédio no Rio, e “Peões” (2004), sobre os metalúrgicos que acompanharam Lula nas greves dos anos 1970.

Para “Últimas Conversas”, ele entrevistou 32 adolescentes do ensino médio de escolas públicas do Rio. O diretor reuniu cerca de 32 horas de material bruto, mas o filme ainda não havia chegado à ilha de edição.

O cineasta João Moreira Salles, sócio da VideoFilmes, produtora dos filmes de Coutinho, assumiu um “papel de interlocutor”, segundo Jordana. Moreira Salles acompanhou de perto a edição e deu a palavra final.

Não dá para esperar nada muito revolucionário, como foi “Jogo de Cena” (2007), obra em que Coutinho fez atrizes e amadoras recitarem textos, sem que o espectador conseguisse detectar quem está contando a verdade.

“Ele não queria nenhuma revolução narrativa com esse filme”, diz a montadora ao Sem Legenda. “O que ele buscava era se manter vivo, estava se recuperando de problemas graves no pulmão e o que estava em jogo para ele era continuar fazendo filmes.”

Aos garotos entrevistados no filme, Coutinho perguntou questões sobre religião, amor e morte, além de perguntas sobre o próprio universo escolar. “É um típico filme de Coutinho.”

O documentarista deixou rascunhado o que queria que fosse privilegiado na montagem, mas Jordana diz que não se agarrou às anotações.

“O corte final teve de abandonar muito daquilo. O que ele marcou não é necessariamente o que estará no filme: há coisas que não se sustentariam na edição, ele mesmo se daria conta.”

Entre as inclusões que Jordana acha que desagradariam ao cineasta está uma cena logo no início do filme que mostra o próprio Coutinho, numa espécie de “making of” de “Últimas Conversas”. Logo depois, surgem os créditos da abertura: “um filme de Eduardo Coutinho, montado pro Jordana Berg, finalizado por João Moreira Salles”.

“Esse crédito tem papel narrativo: explica que o processo foi esse, a três. É de alguma forma a única menção à morte dele no filme”, diz Jordana.

Eduardo Coutinho foi morto pelo próprio filho Daniel, portador de esquizofrenia, que aguarda julgamento num manicômio judiciário no Estado do Rio.

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Uma das estudantes cariocas entrevistadas pelo documentarista Eduardo Coutinho para o filme “Últimas Conversas”. Créditos: Divulgação